quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Dimmi



Yves Saint Laurent na tela. O filme é francês, mas só me vem italiano na cabeça. Quanto tempo faz? Já nem sei. Não sei a última vez que escrevi, não lembro quando larguei e nem o parvo motivo. Faz-me falta. Eu sentado naquela poltrona, o filme todo recortado, bem como as ideias, os recortes que eu construía na cabeça para estas linhas, desconexas, mas que se encheriam de sentido. Por vezes, meio que nos obrigamos a tirar o sentido das coisas para continuar caminhando e, por vezes, queremos entender coisas que são ocas de sentido.

Aquelas palavras em francês me faziam recordar tanta coisa. Desde a vez em que, bêbados, percebemos que mais de uma língua nos unia. Até hoje me nego que tenha sido um amor líquido. As palavras em francês me fazem recordar tantas coisas que faziam parte de mim e que ficaram para trás. Essas linhas mesmo ficaram para trás. Tanta coisa aconteceu. Nem fazes ideia de como está meu cabelo agora raspado, minha barba cheia, meus óculos. Mas também pudera, eu me furtei, não é mesmo? Talvez eu tenha criado uma espécie de morse para me agarrar e assim não teres notícias minhas. Tu me mostras um bar e o número um, depois outro bar e o número dois. Eu nada entendo. 

O filme embarga no meio, só droga, bebida, recortes sem sentido. Mil recortes de como te escrever me pululam na cabeça. O excerto parecia já estar todo pronto. Só que eu nem queria ver. Mas toda vez que sento naquela cadeira em forma de S, aquela voz no fundo me guiando, eu olhando para a parede e trazendo minhas memórias à consciência só me vem italiano. Saio de lá ensaiando mil formas de ouvir de ti, mas sempre me perco em sentido, em coragem, em fôlego. Em suspiros. Lembrei! Foi o mesmo cinema que fomos juntos pela primeira vez, você já com as entradas em mãos me esperando, eu, claro, já atrasado pro segundo seguinte. Será que estar lá de volta, e sozinho, me fez resgatar?

O mais engraçado é que o filme era francês, Yves era francês, mas ele ouvia Maria Callas. Que canta em quê? Sim, italiano. Lembro bem do seu bom gosto para roupas, para jantares, para música, mas tinha aquele sapato que eu odiava, o bico era muito feio. Sempre tive essa coisa com bicos de sapatos. Acho que era a única coisa que eu não gostava. Quando de ti perguntavam, era tudo tão orquestradamente fácil.

Contudo, é isso. Estou de volta. No final do filme, pedem para o Yves mexer os braços, mostrando que estava vivo. Rumores de que ele havia morrido rondavam Paris. Ele não move os braços, mas dá um sorriso como quem diz “eu? morto?”; pois bem, talvez o meu sorriso sejam estas linhas, como quem diz “eu? sem escrever?”, mas, na verdade, o que eu quero mesmo saber, quando olhava para mim e perguntava, é, dimmi, por onde andas-tu?

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Esse carinho


- O que é isso?
- O quê?
- Esse carinho que não passa.
- E tem que passar?
- Não é isso. 

sábado, 16 de junho de 2012

Assinado eu





Oi,

Já faz um tempo, não é? Já faz um tempo que eu queria te escrever. Passado o passado, acho que eu mesmo esqueci o tom. Mas sinto que eu te devo sempre alguma explicação, parece inaceitável a minha decisão. Eu sei, eu sei, eu sei. Também fui eu quem fingiu que não estava ali. Mas é nossa obrigação saber seguir em frente mesmo sem direção. Tanta afinidade assim eu sei que só pode ser bom. Mas se é contrário, é ruim, é pesado, e eu não acho bom. Fiquei atordoado. Faltou a, faltou ar. A gente segue a direção que o nosso próprio coração escolhe. Fiquei atordoado de amor. Faltou a, faltou ar. E concluo que a gente segue a direção que o nosso próprio coração mandar. O vazio não se mostra mais na cor branca da tinta em cima da cabeça. Se o errado pra mim for certo? Eu não me importo. Com tanta coisa mais. Você não acha? Me desapego dos meus esconderijos. A música estrondosa, a casa vazia. E se o errado pra mim for certo? Não, eu não me importo, não. Arrumo a cama para esperar a segunda-feira, de um jeito que ninguém sabe, sem nem mais sonhar com os pés fora do chão. Abre-se mão de entender, sai bom, mau, supurado pra poder voltar. Em ver, me achar. Cheguei aqui sozinho, como dois estranhos, cada um na sua estrada. Em uma esquina, lugar comum, e aí quais são seus planos? Mas e se o errado pra mim for certo? Eu queria te perguntar se tem aí contigo alguma coisa para mudar. Não, eu não me importo. O certo e o incerto a gente já sabe, mas quero te contar...que eu nem sei. É mais que estranho, é impenetrável e ininteligível. Te dá sensações perdidas que as palavras não possuem sensibilidade tão grande para transmitir.

Assinado,

Eu.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Escala-mexe-comigo.


Hoje eu pergunto-me se ter mentido foi a melhor saída. Como alguém avesso à sinceridade desnecessária, não hesitei em fazer uso do egoísmo e ter meu bem estar mental preservado. Com o tempo, ambos os lados puderam ver que aquilo não era tão verdade assim, que tudo tinha arrefecido. Não faço a mínima ideia do grau em que os sentimentos se apresentam depois desse tempo. Ao me perguntarem, eu coloco em uma escala-mexe-comigo de 0 a 10, mas parece não ser suficiente, de tão subjetivo que tudo isso é. Mil hipóteses são colocadas, e eu bloqueio (e recalco) todas, não vou especular sobre algo que não faz sentido. Eu digo que hoje estou vivo, mas amanhã é amanhã, posso estar morto, dentro de um caixão bem quente por obra dessas perguntas estapafúrdias.

Essa escala já tirou tanto o meu sono, de me fazer sonhar coisas ilógicas (como se o sonho não fosse essencialmente isso, uma incoerência superficial), de me fazer perguntar o motivo pelo qual eu estou colocando sentimentos em escalas...

O perdão nunca foi daquelas atitudes nobres muito praticadas por mim. Eu olho para trás e quero saber a necessidade de ainda problematizar sobre algo que não vai caminhar junto do perdão, da ausência de movimentos inclinados para que isso se torne realidade, deixo então seguir...só, então, me acalmo.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Dos Ombros Esticados


E ele passou. Ele passou por mim como se nada tivesse acontecido. Bateu-me no rosto por vezes e depois calou. Bateu sem medo, achava eu. A minha necessidade de saber o motivo de tal silêncio passou. O medo ainda batia também, mas de uma forma diferente. Talvez fossem outros doravante. Quer saber? Apenas me deixe viver sem perguntas, sem dúvidas inerentes e sem solidão presente. O tempo talvez nem se mova, nem se dê ao trabalho de organizar o que pareceu um completo desarranjo. Mas eu continuo sem saber, e sem negar-me isso, consciente como sempre fui. Contudo, os passos, que antes eram um após o outro, confundiram-se, misturei as pernas e fui parar em outro caminho. Não necessariamente na mesma estrada, posso estar seguindo por caminhos que não são caminhos, mas eu os fiz assim. Só cuidado para não chegar perto demais e me esticar os ombros.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A Vó e o Copo


Tadinha, já nem sabia onde estava. Havia quase três anos que morava conosco. Nunca fora muito carinhosa, nem afável, nem cozinheira, era daquelas que compensava com bens materiais. Confesso que gostava, mas também nunca provara do outro lado da moeda. Não provar do outro lado da moeda pode ser um problema. Foi-nos um problema, e eu sabia desde o começo. Ela tinha uma daquelas doenças incuráveis, tipo o amor, sabe? Aquele que você vai ficar dependente pra sempre, até que apareça a cura. E parece estar nem perto. Aos que rodeiam, vai causando aquele misto de amor e ódio. Ódio por não sabermos como curar e por, em certos dias, simplesmente querermos que essa agonia desapareça. Amor... esse nem tem explicação. A palavra como signo já perdeu o seu efeito de mediadora e o que se pode fazer é deixar sentir ao bel prazer das brincadeiras da vida.
Cambaleante, batia-se contra os móveis, só apreensão em quem presenciava tal cena. Em uns dias, estava mais ferina, agressiva, não poderia ser contrariada. Uma tristeza só ver chinelos dentro da geladeira. Tristeza maior ainda era vê-la cambaleando. Eu, tão cambaleante quanto ela, não podia fazer nada. Passava por momentos difíceis. Corria para segurar quando achava que ía cair. Nessas horas, você vê o quanto você ama sua família, outrora chamada de base e suporte. Era difícil respeitar toda essa situação de silêncio, o hiato causado por tanto sofrimento. Mas é uma doença que a vida joga no nosso colo e grita “lide com isso”. O resto é talento. Perguntava a mesma coisa muitas vezes. Perguntava-se a mesma coisa mil vezes. Perguntava-me a mesma coisa milhões de vezes. Será que um dia isso vai passar? Continuava cambaleante, batendo nos móveis e ameaçando quebrar aquele velho cristal que você guarda em casa com todo o amor do mundo sem nem saber o motivo; a explicação fajuta é que ele faz parte da sua história, você não consegue admitir que tem um amor inexplicável por aquilo e usa o comodismo como desculpa.. e eu olhava pra ela, parecia bem, era aí que a raiva tomava tento. Como pode parecer tão bem se está doente? Logo em seguida, eu via que era assim mesmo, essa doença, altos e baixos. Eu confesso que senti pena. Uma pena boa, se é que isso pode acontecer. Pena de ela esquecer quem ela era de vez, quem eram as pessoas que realmente importavam. O pior deve ser esquecer-se, o que você é, o que você construiu. Ela estava se permitindo implícita e involuntariamente. Isso me doía tanto. Tadinha. Ouvir outros comentando o que ela fazia, as coisas estranhas que ela fazia, fruto da doença, me deixava tão doente quanto. Eu queria me convencer que perguntar mil vezes por alguém que já morreu é normal, que colocar chinelos na geladeira é normal, que terminar o banho e esquecer o chuveiro ligado é normal, que esquecer quem você amou é normal, que estar num mundo completamente novo fazendo o que você jamais pensou em fazer é normal, que fazer as pessoas ao seu redor sofrerem é normal, que beber do copo dos outros à noite é normal, que depois de tanto tempo ainda não ter esquecido tudo é normal. Escutar alguém dizer o que ela estava fazendo noite à fora era tão desnecessário. Só me fazia ter mais medo. Eu não queria ninguém falando dela, do que ela poderia se tornar, ela era ainda minha vovó, que eu amei durante um ano e nove meses. Não sei se foi só isso, mas é isso que eu consigo e devo contar. Eu queria tanto trazê-la de volta, curá-la, deitá-la no meu colo novamente, mesmo eu não sendo tão carinhoso e dizer que eu a amava, que ela não precisava passar por isso. Tirá-la daquela solidão do esquecimento.
Acordava no meio da noite e queria tomar banho, uns calores estranhos. E a minha missão de pessoa insone era segurar a mão levemente e conduzi-la de volta. A toalha já ía no ombro e o rosto assustado. Tomava um copo com água e dava pra enganar por mais algumas horas até que ela acordasse novamente. Eu já não sei se estaria ali acordado pra ajudar ou se já teria caído em sono profundo. Ela adorava beber água. Abria a geladeira incontáveis vezes ao dia. Tentava pegar um copo e cambaleava, ameaçando derrubar todos os outros. “Cuidado!”. Era só o que eu podia fazer: alertar.
Ela costumava me chamar e eu não dava atenção. Quem não cansa? Chamou-me por três vezes e eu disse não. O não faz parte de todo esse processo. Até que resolvi ceder. Ela havia me chamado para algo muito urgente. Conduziu-me pelo braço até o closet. “Eu preciso que você me ajude, que você me explique um negócio.”.
- Tá vendo? - perguntou-me com aquela voz mais que ansiosa, desesperada quase.
- O quê?
- Eu estou presa ali e não consigo sair. Olhe! Sou eu!
Quando dei por mim, meus olhos já íam cheios d’água. Ela ainda conseguia se reconhecer, mas tudo ao redor não fazia mais sentido. Aquelas nossas imagens projetadas naquele espelho e ela lá sem entender. Sem entender que eram apenas reflexos, reflexos da situação atual, de tudo que aquela doença fazia com ela. Ela sentia-se presa à ela e, tadinha, não sabia que tinha de sair daquilo. O reflexo da porta no espelho pareceu uma saída pra ela.
- Tá vendo? Ali tem até uma porta! E por que eu não consigo sair?
- Vó, isso é só um espelho. – Minha voz tinha mais desespero que a dela.
- Meu filho, pelo amor de Deus, me tire dali. Eu já fui e voltei e não consigo sair.
Eu era só angústia e medo. Segurei os braços dela e disse:
- Vó, calma! Eu tô aqui! – foi tudo que consegui.
Ela não lembrava o que um espelho significava. Mas isso bastou. Ela conseguiu se acalmar. Eu, não. Chorei por muitos meses, que pareceram eternidade. E a eternidade tem me acompanhado durante todo esse período. Talvez seja só o simples desejo de eternidade. Nesses momentos, eu sentia todo o meu amor por ela.
Certa vez havia me dado um copo. Não sei o motivo pelo qual ele se tornou o presente mais especial de todos. Acho que era justamente por isso. Por não ter explicação e eu não ter essa necessidade de resposta. Quem disse que não é possível amar um copo? Eu o amava e o protegia. E bebia daquela água sem medo algum (mentira, sempre há o medo intrínseco). Mas, de verdade, ninguém poderia sequer encostar. Até que, um dia, ela foi abrir a geladeira de novo. Ao acaso, estava eu próximo, nem sei fazendo o quê. Repetia que queria beber água. Talvez nem tivesse sede; acho que não lembrava que havia bebido minutos atrás. Estava arrumada para sair. Foi andando em direção à bandeja, e ele estava lá. Como se fosse apenas mais um no meio de outros, mas nem era. Destacava-se logo. Alto, bonito, diferente, cheio de arte, a boca grande. Lindo, lindo. Uma perna após a outra nem sempre é a melhor forma de andar, ainda mais quando se faz uso de uma bengala, um suporte, pode ser que tudo se confunda. Cambaleante. É tanto que tropeçou e bateu com tudo na bandeja. E eu o vi balançar, hesitar. Foi para um lado, foi para o outro, não sabia se caía ou não caía. E eu corri. Não mais que quatro passos. Ela quase cai dessa vez. Todos os outros caíram, e eu só consegui salvar ele. Só ele. E ele já estava quase caindo. Ela conseguiu segurar-se. E eu o abracei. “Vó, cuidado, a senhora quase quebra o meu copo!”. Eu abracei tão forte que quase o quebrei eu mesmo. Daí, decidi que nunca mais beberia nele. Guardei-o no fundo do meu guarda-roupa.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Eletrocardiograma


‎"Um dia eu segurei seu coração na mão. Não era ousadia, você quem pedira. Ousadia foi abri-lo, com medo da explicação pra tanta hesitação naquelas mãos trêmulas estar bem ali; eu abri o seu coração e nada tinha, graças à Deus. No meu, graças à Deus, nada tinha."